Levei algum tempo para começar a escrever. Não porque não saiba o que dizer, mas sim por onde começar, como começar, como me fazer entender.
Há acontecimentos/momentos/episódios na nossa vida que a podem mudar para sempre. A ela e a nós próprios, talvez sem sabermos que algo está a mudar. E pode mudar para sempre e podemos mudar para sempre. A mudança pode ser boa, nem sempre é.
A "morte", não a física, pode acontecer muitas vezes pelos mais diversos motivos, sejam eles grandes ou pequenos, importantes ou superficiais. Mas essa escala só cada um de nós pode controlar.
Já morri muitas vezes, demais para 31 anos. Porque "a vida" assim quis e porque eu deixei, outras tantas porque era mais fácil morrer.
E nasci muitas outras. Não igual porque acredito que isso é impossível. Melhor homem, melhor Ser Humano. Acredito que sim. Talvez com mais medos ainda, algumas certezas e mais dúvidas.
E há mortes que não conseguimos ressuscitar, mesmo que as desenterremos. Outras vezes é melhor deixar ficar assim e avançar.
O passado já foi, mas fica. Fica sempre.
N'A ESTRANHA EM MIM, uma mulher morre após a morte do seu noivo (assassinado). Morre uma parte dela. A melhor. Morre por dentro. E torna-se ela própria uma assassina para vingar a dor e a morte de quem mais amava, porque num pequeno momento tudo lhe foi tirado. Tudo lhe foi roubado. A cidade que conhecia e amava desapareceu. Agora era estranha.
A justiça feita pelas próprias mãos é reprovável aos olhos da Sociedade, da Lei, da Humanidade. Mas enquanto a observava, embora não desejasse que o fizesse, acabava por compreender e aceitar os seus actos, o apertar do gatilho. Porque admirava e desejava também o seu poder.
A Vingança e o Ódio conduzem a algo bom? Não, eu sei que não. Sei também que não sou o único que já tive vontade de apertar o gatilho e resolver as possíveis vinganças da minha vida. Felizmente que a parte sã é mais forte que a outra, que considero normal e natural no Homem.
Talvez não tenha tido uma morte como a da personagem, que a mudou para sempre e a tornou numa estranha em si. Talvez as minhas mortes até sejam "maiores".
Desde pequenino que tenho estranhos em mim. Quem gostaria de ser e não sou, o branco e o preto, o feliz e o infeliz, o alegre e o triste, a criança e o adulto, o homem e a mulher... E ter nascido sob o Signo de Gémeos parece ter complicado ainda mais as coisas! Dizem que têm duas caras, duas personalidades. Talvez tenha até mais e tenho que saber viver com elas. Aceitá-las.
Aquele que se sente feliz e vivo com os seus amigos e no meio deles, mas que de repente pode querer estar sozinho, porque precisa, no seu espaço, no seu mundo, com os seus gatos, com os seus pensamentos, com a sua solidão que sempre o acompanhou.
Este estranho não foi convidado. Talvez tenha nascido com o outro. Não. O seu percurso criou-o. Fê-lo nascer.Mas sorrio quando sei e sinto que é cada vez mais fácil viver com este Estranho. É cada vez mais fácil viver com este outro EU. Porque o estou a aceitar e a conhecer melhor. Porque sorrio para ele. Porque sei que se vai sentido cada vez mais em paz, mesmo na sua solidão, porque sabe que em primeiro lugar tem que estar bem consigo próprio. Com os seus estranhos. Até porque ele vai ficar aqui até ao resto da minha vida.
E não me esqueço que o título original do filme é "THE BRAVE ONE". E aí sei que sou EU e não o Estranho em Mim.