«No ano 6500 ac., um tipo olhou para um amigo doente e disse: "Tenho uma ideia. Abro-te um buraco no crânio e vais sentir-te melhor."
E assim nasceu a cirurgia.
É preciso ser louco para pensar em abrir um buraco num crânio, mas os cirurgiões sempre foram pessoas seguras de si.
Sabemos o que fazemos.
E, se não soubermos, fingimos que sabemos.
Entramos destemidamente em território inexplorado, colocamos uma bandeira e começamos a dar ordens às pessoas.
É revigorante.
E aterrador.»
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«Tenho um encontro com a Erica Hahn e é desconfortável, porque é minha colega, porque é Assistente e porque é uma ela.
Houve beijos, mas nada de apalpar.
E se eu não gostar?
E se eu for horrível naquela coisa...
Lá em baixo?
Nunca o fiz.
Com uma mulher.
Nem sequer passei das montanhas a norte, percebes?
Vamos fingir que isto não aconteceu.
- Não falo de sexo.
- Vamos fingir que eu não disse nada.
- Nunca falo com ninguém sobre sexo.
Seja de que tipo for.
- Estou a pedir...
- A "vajeja" é um território por explorar.
É a nossa terra de origem.
Nunca lá foste e não conheces os seus costumes.
Eu cá sempre quis ir a África.
Mas, se for, vou ter de aprender umas coisas primeiro.
Terei de me preparar.
Vou precisar de vacinas, das minhas seringas, se algo correr mal, e terei de saber como chegar à embaixada.
- Estou perdida.
- Fala sobre isso.
Não comigo, com a outra.
Fala sobre as regras, as expectativas.
Descobre como disfarçar se não gostares... da cozinha local.
Na Etiópia comem guisado em pão azedo esponjoso.
Mas não é para todos.»
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« - Precisamos de regras.
- O quê?
- Regras.
Sobre como lidar com a terra de origem.
Porque é um território inexplorado e, quem sabe, talvez venham a ser as melhores férias que já tivémos.
Mas é misterioso e sombrio e tem de haver regras.
E uma embaixada.
E uma palavra de segurança.
- Desculpa?
De que estás a falar?
- Abaixo...
Abaixo da cintura.
Das tuas calças.
Não sei se estou preparada para ir até lá.
- Nem eu. Eu...
Há muito território inexplorado acima da cintura.
Vamos devagar.
Talvez fiquemos só por aí.
- Está bem.
Obrigada. Desculpa.
- Termina o meu vinho.
Vou ler a ementa enquanto a tua tensão volta ao normal.
- Erica.
Talvez possamos experimentar lá em baixo.»
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«Gostamos de pensar que somos destemidos, que estamos ansiosos por explorar territórios desconhecidos e experimentar coisas novas.
Mas a verdade é que estamos sempre aterrorizados.
Talvez o terror faça parte da atracção.
Há quem veja filmes de terror.
Nós abrimos coisas e mergulhamos em águas escuras.
E não é isso que preferimos ouvir no final do dia?
Se tivermos um copo, um amigo e 45 minutos?
Coisas calmas criam histórias entediantes.
Mas de um pouco de calamidade já vale a pena falar.»
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