Exercício: Escrever uma Carta de Desamor
Lisboa, 29 de Janeiro de 2008
Deve ser muito estranho para ti receber esta carta. Passaram muitos anos. Muito tempo sem palavras trocadas, sem informações ou preocupações. Porque simplesmente deixámos de existir um para o outro e aquilo que nos unia não tem mais espaço. Para mim morreste há muito tempo.
É verdade que não consigo apagar certas lembranças. Juro que tentei. Talvez seja melhor assim. São momentos felizes. Juntos. Depois está tudo o resto que já conheces mas não sei se te lembras. A pouco e pouco o abismo que se criou entre nós foi colossal.
Depois da separação ainda estivemos alguns anos juntos nas minhas férias de Verão, mas nada era como antes. Nunca te perdoei toda a dor que me causaste e todo o mundo que à minha volta se fechou.
Aquilo que sou é a ti que devo. Só te posso agradecer a sensibilidade que, mesmo assim, deve ser a minha melhor mas pior qualidade. Talvez lhe chame defeito. E é assim, com esses olhos que tenho visto a vida. E não tem sido nada fácil. As marcas que tenho cá dentro não as posso apagar e a determinada altura decidi apagar-te também da minha vida. Esquecer que existias ou pelo menos não pensar em ti. Fingir que não estavas algures, no espaço e dentro de mim. Para minimizar todas as perdas.
Durante todos estes anos não sei com que olhos me viste ou se pensaste sequer em mim. Duvidei sempre dos teus sentimentos para comigo e a certa altura esqueci que eles podiam existir. Porque há coisas que nunca vou compreender e aceitar.
Perdoa e esquece. É o que se costuma dizer. É o que me disseram muitas vezes, pessoas, filmes, livros. É um bom conselho, mas não é muito prático. Quando alguém nos magoa, também queremos magoar. Quando alguém erra connosco, queremos estar certos.
Sem perdão, as velhas contas nunca se acertam e as feridas nunca saram. E o máximo que podemos desejar é que, um dia, tenhamos sorte suficiente para esquecer.
Há coisas que nunca vou ter, outras que nunca vou viver ou sentir. Porque há partes de mim que simplesmente não existem. Não nasceram, não foram criadas nem amadas. E durante muito tempo perguntei ao meu Deus porquê. Porquê eu? Porquê comigo? Será que fui um ser horrível noutra vida passada e tenho agora que pagar por isso? Ele nunca me respondeu, o que originou muitas vezes algumas discussões. Porque não queria encontrar sozinho as respostas. Tinha medo.
No próximo Domingo fazem dois anos que te dei o último beijo. Na testa. Estavas frio. Gelado. Hesitei antes de o fazer. Não sabia como era suposto agir. Confesso que não era a última imagem que queria ter tua. Deitado e imóvel. Coberto com um pano branco. Sem te puderes defender e sem eu poder gritar contigo.
É verdade que te quis bater muitas vezes, tantas que nem sei. Até te deixar imóvel no chão. Mas percebi que nunca irias compreender o porquê da minha ira, porque eras um ser menor. E agora já é tarde demais para ti. É tarde para nós porque nós nunca existimos juntos. Pelo menos como eu desejei.
O beijo que te dei não foi só de despedida. Talvez tenha sido de perdão. Para que pudesses descansar em paz, mas acima de tudo, para que eu pudesse continuar. A rosa branca que te deixei foi a flor que nunca pude receber porque não conhecias o belo.
E ali ficaste sozinho com muitas outras almas. Não sei onde estás agora, mas gostava de acreditar que é de lá que me proteges com toda a tua força. Aquela que nunca senti. Aquela pela qual luto todos os dias.
Não sabes quanto é duro continuar à procura de ti nos homens que se cruzam no meu caminho. E quer acredites ou não, como gostaria de te poder ter dito naquele único momento de despedida, meu querido pai.
29/01/08
Deve ser muito estranho para ti receber esta carta. Passaram muitos anos. Muito tempo sem palavras trocadas, sem informações ou preocupações. Porque simplesmente deixámos de existir um para o outro e aquilo que nos unia não tem mais espaço. Para mim morreste há muito tempo.
É verdade que não consigo apagar certas lembranças. Juro que tentei. Talvez seja melhor assim. São momentos felizes. Juntos. Depois está tudo o resto que já conheces mas não sei se te lembras. A pouco e pouco o abismo que se criou entre nós foi colossal.
Depois da separação ainda estivemos alguns anos juntos nas minhas férias de Verão, mas nada era como antes. Nunca te perdoei toda a dor que me causaste e todo o mundo que à minha volta se fechou.
Aquilo que sou é a ti que devo. Só te posso agradecer a sensibilidade que, mesmo assim, deve ser a minha melhor mas pior qualidade. Talvez lhe chame defeito. E é assim, com esses olhos que tenho visto a vida. E não tem sido nada fácil. As marcas que tenho cá dentro não as posso apagar e a determinada altura decidi apagar-te também da minha vida. Esquecer que existias ou pelo menos não pensar em ti. Fingir que não estavas algures, no espaço e dentro de mim. Para minimizar todas as perdas.
Durante todos estes anos não sei com que olhos me viste ou se pensaste sequer em mim. Duvidei sempre dos teus sentimentos para comigo e a certa altura esqueci que eles podiam existir. Porque há coisas que nunca vou compreender e aceitar.
Perdoa e esquece. É o que se costuma dizer. É o que me disseram muitas vezes, pessoas, filmes, livros. É um bom conselho, mas não é muito prático. Quando alguém nos magoa, também queremos magoar. Quando alguém erra connosco, queremos estar certos.
Sem perdão, as velhas contas nunca se acertam e as feridas nunca saram. E o máximo que podemos desejar é que, um dia, tenhamos sorte suficiente para esquecer.
Há coisas que nunca vou ter, outras que nunca vou viver ou sentir. Porque há partes de mim que simplesmente não existem. Não nasceram, não foram criadas nem amadas. E durante muito tempo perguntei ao meu Deus porquê. Porquê eu? Porquê comigo? Será que fui um ser horrível noutra vida passada e tenho agora que pagar por isso? Ele nunca me respondeu, o que originou muitas vezes algumas discussões. Porque não queria encontrar sozinho as respostas. Tinha medo.
No próximo Domingo fazem dois anos que te dei o último beijo. Na testa. Estavas frio. Gelado. Hesitei antes de o fazer. Não sabia como era suposto agir. Confesso que não era a última imagem que queria ter tua. Deitado e imóvel. Coberto com um pano branco. Sem te puderes defender e sem eu poder gritar contigo.
É verdade que te quis bater muitas vezes, tantas que nem sei. Até te deixar imóvel no chão. Mas percebi que nunca irias compreender o porquê da minha ira, porque eras um ser menor. E agora já é tarde demais para ti. É tarde para nós porque nós nunca existimos juntos. Pelo menos como eu desejei.
O beijo que te dei não foi só de despedida. Talvez tenha sido de perdão. Para que pudesses descansar em paz, mas acima de tudo, para que eu pudesse continuar. A rosa branca que te deixei foi a flor que nunca pude receber porque não conhecias o belo.
E ali ficaste sozinho com muitas outras almas. Não sei onde estás agora, mas gostava de acreditar que é de lá que me proteges com toda a tua força. Aquela que nunca senti. Aquela pela qual luto todos os dias.
Não sabes quanto é duro continuar à procura de ti nos homens que se cruzam no meu caminho. E quer acredites ou não, como gostaria de te poder ter dito naquele único momento de despedida, meu querido pai.
29/01/08
NOTA: Dos trabalhos/cartas entregues, o professor fotocopiou 12 cartas e esta foi uma delas.
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